Vitrina Arte

Lygia Clark: sensorialidade, corpo e afeto na arte contemporânea

A atualidade do legado de uma artista que transformou a experiência estética em convite ao toque, à participação e à reconexão sensível

Quando se pensa na arte como experiência, no corpo como linguagem e no afeto como gesto político, o nome de Lygia Clark emerge de forma incontornável. Nascida em 1920, a artista brasileira transformou profundamente os modos de fazer e de perceber a arte, deslocando-a das paredes para os corpos, das galerias para o campo das sensações.

A grande retrospectiva dedicada à sua obra, que será realizada em 2025 na Neue Nationalgalerie, em Berlim, reafirma a relevância de seu legado. Em um mundo hiperconectado, marcado pela dispersão e pela urgência, a produção de Lygia Clark ressurge como um convite à presença, à escuta e à reaproximação com o sensível.

Sensorialidade e participação ativa

Lygia Clark rompeu com a concepção da arte como objeto de contemplação passiva. Para ela, o espectador ocupava um lugar central no processo criativo. A obra tornava-se completa apenas na interação com o outro — por meio do toque, do movimento, da respiração compartilhada.

Objetos Relacionais, anos 1960

Esculturas articuladas que convidam à manipulação e à experiência tátil, como os emblemáticos Bichos, colocam em xeque a ideia da obra como elemento fixo e imutável.

Máscaras Sensoriais, 1967

Objetos vestíveis que exploram a percepção para além da visão, ativando o tato e a introspecção de maneira íntima e potente.

Essas experiências expandem o campo da arte para além do visual, instaurando uma escuta do corpo e das emoções que se torna ainda mais significativa diante do esgotamento emocional que marca a vida contemporânea.

Afeto, subjetividade e autocuidado

Ao colocar em foco elementos como o toque, a respiração e a escuta subjetiva, Lygia antecipa debates que hoje atravessam tanto as práticas artísticas quanto as terapêuticas: bem-estar, saúde mental, vínculos e autocuidado.

Livro da Criação, 1967–1974

Uma série de proposições visuais que estimulam a participação ativa do público, dissolvendo as fronteiras entre artista, obra e espectador.

Sua produção pode ser compreendida como um espaço de acolhimento — uma espécie de refúgio sensível capaz de reconectar o sujeito com o instante, com o outro e consigo mesmo.

Coletividade e reinvenção do fazer artístico

Mais do que objetos, Lygia Clark propôs situações. Sua obra operava no campo da experiência compartilhada, desestabilizando as hierarquias entre artista e público e questionando os papéis atribuídos às instituições artísticas.

Caminhando, 1962

Instalação que propõe um percurso físico e sensorial a ser ativado pelo corpo do participante, desdobrando a obra no tempo e no espaço.

Ao priorizar a relação e o encontro, sua obra desafia ainda hoje as lógicas do mercado de arte. Afinal, como preservar algo que se realiza apenas no ato? Como colecionar uma experiência?

Colecionar como prática sensível

A exposição em Berlim não apenas celebra a trajetória de Lygia Clark, como também aponta para caminhos futuros, onde o colecionismo se orienta menos pela posse e mais pela escuta, pelo afeto e pela subjetividade da experiência estética.

Na Vitrina Arte, compreendemos o colecionismo como uma forma de cultivar vínculos, memórias e presença. Seguindo a sensibilidade de Lygia, acreditamos que a arte pode e deve tocar não apenas os olhos, mas também o corpo, o tempo e a alma.

Num mundo que clama por outras formas de relação, sua obra permanece como guia poética e radical para aqueles que desejam habitar o sensível com mais presença e profundidade.

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